segunda-feira, 18 de abril de 2016

Não se acostume

Dizem que a gente se acostuma a tudo. Eu não quero crer nisso. Mas, mesmo que a gente se acostume, não devia.

Como a gente pode se acostumar a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor? Dai porque a gente não tem vista desaprende a olhar para fora, não abre mais as cortinas, não sabe do sol ou da chuva, do frio ou do calor. Nem se dá conta da flor que pode nascer da rachadura da parede ou ver o gato novo na janela da frente. É como se a gente não abrisse mais nossas janelas interiores, desaprender a ver. Acender a luz elétrica mais cedo, desconhecer o sol. Deixar de brilhar. Desaquecer.

E se não bastasse a ideia de não mais abrir nossas janelas interiores, porque moramos nos fundos de nós mesmos, precisamos acordar cedo pra trabalhar, pra ganhar dinheiro, pra pagar as cortinas novas que jamais serão abertas.

Tomamos café correndo porque estamos atrasados, lemos jornal no ônibus sacolejando sem olhar pra quem está ao nosso lado. (Oi, tudo bem? Você vem sempre aqui? Bacana!). Fechamos novamente nossas cortinas porque temos que correr, trabalhar, ganhar dinheiro. Pra que mesmo?

Não devia acontecer. Um dia a gente desce do ônibus antes, pensamos todos os dias quando chegamos ao destino. Pensamos. E fechamos ainda mais nossa janela.

E um dia decidimos, de verdade, descer antes do ônibus mas apenas pensando que temos que comprar um carro e então ganhar mais dinheiro pra pagar mais contas pra gradear as janelas e colocar cortinas de brocado. E descemos do ônibus antes pra chegar a lugar nenhum.

Será que a gente se acostuma a tudo pra chegar a lugar nenhum?

A gente se acostuma para poupar a vida.


Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.


Mônica Maria

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