Dizem que a gente se
acostuma a tudo. Eu não quero crer nisso. Mas, mesmo que a gente se acostume,
não devia.
Como
a gente pode se acostumar a morar em apartamento de fundos e a não ter outra
vista que não as janelas ao redor? Dai porque a gente não tem vista desaprende
a olhar para fora, não abre mais as cortinas, não sabe do sol ou da chuva, do
frio ou do calor. Nem se dá conta da flor que pode nascer da rachadura da
parede ou ver o gato novo na janela da frente. É como se a gente não abrisse
mais nossas janelas interiores, desaprender a ver. Acender a luz elétrica mais
cedo, desconhecer o sol. Deixar de brilhar. Desaquecer.
E
se não bastasse a ideia de não mais abrir nossas janelas interiores, porque
moramos nos fundos de nós mesmos, precisamos acordar cedo pra trabalhar, pra
ganhar dinheiro, pra pagar as cortinas novas que jamais serão abertas.
Tomamos
café correndo porque estamos atrasados, lemos jornal no ônibus sacolejando sem
olhar pra quem está ao nosso lado. (Oi, tudo bem? Você vem sempre aqui? Bacana!).
Fechamos novamente nossas cortinas porque temos que correr, trabalhar, ganhar
dinheiro. Pra que mesmo?
Não
devia acontecer. Um dia a gente desce do ônibus antes, pensamos todos os dias
quando chegamos ao destino. Pensamos. E fechamos ainda mais nossa janela.
E
um dia decidimos, de verdade, descer antes do ônibus mas apenas pensando que
temos que comprar um carro e então ganhar mais dinheiro pra pagar mais contas
pra gradear as janelas e colocar cortinas de brocado. E descemos do ônibus
antes pra chegar a lugar nenhum.
Será que a gente se
acostuma a tudo pra chegar a lugar nenhum?
A gente se acostuma para
poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e
que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Mônica Maria